Memórias Implodidas, idealizado pela pesquisadora Bruna Ventura Filgueiras, é uma parceria com o Centro Multimídia, núcleo do Ecomuseu Ilha Grande. Este projeto de pesquisa colaborativa se dedica a manter as memórias das diversas instituições carcerárias que operaram por um século na Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Através de relatos de moradores, ex-funcionários, internos e seus familiares, o projeto reune um acervo digital composto por áudios, textos e imagens. O acervo está aberto à participação de qualquer pessoa interessada em compartilhar sua própria história.


Novos episódios em breve!


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Fragmento 1: Seu Julio - Dois Rios

“Violenta emoção quando fiquei em liberdade. Perdi a voz. Comprei remédio para rouquidão. Qual é o remédio para pessoa emocionada? Sou muito emocional, é um perigo, não enxergo nada. Tudo é o momento”. Esse é um trecho editado de uma das entrevistas que Júlio Almeida concedeu à historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, em seu livro sobre as memórias das prisões da Ilha Grande. Seu Júlio chega à Ilha como prisioneiro em 1958, aos 27 anos, e sua dívida com a justiça só chega ao fim em 2014, mais de 50 anos depois. Diversos jornais noticiaram a história de Seu Júlio como a do “o último preso da Ilha Grande”. As reportagens acabam embaralhando um pouco as datas, os motivos da sentença, as tentativas de fuga e outras informações, não muito precisas, sobre a biografia de Seu Júlio. Mas o que é semelhante em todas as matérias é que elas retratam um pacato senhor de pele negra e barba branca que, mesmo após finalmente conseguir a tão sonhada liberdade, preferiu continuar morando com sua família em um lugar que ficou conhecido como Caldeirão do Diabo. E aparenta ser feliz assim. Ele foi mesmo um dos poucos presos que esteve nas duas colônias agrícolas da Ilha Grande, em Abraão e em Dois Rios, deixou seu testemunho sobre as duas e, depois de liberto, fixou residência por lá. Sua história, sem sombra de dúvida, é extraordinária. Complexa demais para ser captada pelas reportagens dos jornais. O pacato senhor que, aos 84 anos, encontrou a paz no Caldeirão do Inferno consertando redes de pesca e fazendo miniaturas de barcos de madeira foi, antes de tudo, um sobrevivente. Sobreviveu à miséria compartilhada com 16 irmãos, trabalhando desde criança em Minas Gerais, e depois, vivendo nas ruas do Rio de Janeiro. Sobreviveu às prisões, ao trabalho pesado, aos castigos, ao frio, à fome, às doenças e espancamentos. Sobreviveu às fugas por trilhas desconhecidas pelo mato, sem mapas, se guiando pelo movimento das marés. E, mais do que resistir, Seu Júlio se adaptou e se apropriou dos códigos e regras de um sistema social que só existe dentro dos muros. Usou sua força, sua valentia e sua longa sentença para se tornar um mediador entre o mundo de fora e o mundo de dentro das prisões. Ele hackeou o sistema e conseguiu ser temido e respeitado dentro e fora da cadeia, ganhando o apoio dos guardas e diretores em troca da manutenção da ordem entre os detentos. Conseguiu acessos que ninguém mais tinha e cargos de confiança, poder de negociação, informação e decisão. A palavra e o respeito eram os valores que ele mais prezava. A palavra para ter credibilidade e o respeito para também ser respeitado. Um conceito de respeito que talvez não possa ser compreendido por nós, que estamos de fora do mundo prisional. Seu Júlio sobreviveu e decodificou um sistema baseado na violência e composto por dilemas, contradições e perplexidades. Decodificou a barbárie. Com sua voz firme e pacata, afirmou: “Sei e não sei de nada”. Hoje ele é considerado pela comunidade de Dois Rios um patrimônio. Nos seus relatos, ele disse: “Aqui sempre foi minha casa”. Mas quem poderia ter sido Seu Júlio se sua valentia, força e inteligência não tivessem sido cooptadas por esse sistema e, antes de tudo, pela miséria? Se sua história não fosse uma história extraordinária de sobrevivência, e sim uma vida ordinária e digna, quão gigante poderia ter sido a liberdade de Seu Júlio?
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Essa história faz parte do projeto Memórias Implodidas, desenvolvido no Mestrado Profissional em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ. Tem como base e inspiração os livros “Quatro histórias, duas colônias, uma Ilha”, da historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, e “Histórias Vividas na Ilha Grande pelos Antigos da Ilha”, coordenado por Marcio Ranauro. O texto é de Bruna Ventura, sob a orientação de Fernando Salis e com o apoio de Gelsom Rozentino. A narração é de Leandro Paz. As prisões que funcionaram na Ilha Grande também fazem parte das suas memórias? Quer dividir seu relato com a gente? Você pode enviar seu áudio aqui no site e contribuir para a preservação dessa história.

Fragmento 1: Seu Júlio - Dois Rios
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Fragmento 2: João - Parnaioca

Um tempo em suspenso. Não é o tempo das mensagens instantâneas, dos áudios acelerados na velocidade 1.5, das reuniões que invadem as salas através das telas dos notebooks. É o tempo da Parnaioca, praia que abriga poucas construções, mas, num outro tempo, abrigou um vilarejo com casas, escola, missas e festas. Onde se comia peixe, galinha, pato e porco. Colhia- se milho, café, cana-de-açúcar. Bebia-se vinho entre o mar e o rio. Onde, em 1935, nasceu João. Menino tímido e observador, aos dez anos de idade conheceu Zaira, menina que morava em uma praia vizinha, também com dez anos. Nesse momento, João já sabia que um dia eles se casariam. Aos dezoito, começou a trabalhar no presídio em Dois Rios. Eram 24 horas de serviço, 48 horas de folga. Inúmeras cartas trocadas com Zaira, inúmeros quilômetros percorridos a pé, por longas trilhas entre praias. Sempre as mesmas, mas nunca iguais. O tempo virou. As fazendas, a lavoura e a pesca, antes tão farta, perderam espaço para os maquinários que chegaram à Ilha, com a promessa de progresso. O serviço no presídio era o que dava ritmo à vida. E assim, a vida foi construída. João e Zaira se casaram, tiveram uma filha e permaneceram nas terras onde seus pais, avós e bisavós viveram e morreram. Onde, antes deles, índios habitaram, escravos foram traficados. Hoje é possível avistar, na enseada, ruínas de casarões, de um cemitério e de uma igrejinha, a Capela do Sagrado Coração de Jesus. Uma gigantesca pedra com um buraco na base, conhecida como Toca das Cinzas, testemunhou todas essas histórias no passado, e resiste, no presente. Tal qual a rocha, a memória de João também resiste. Em um tempo suspenso, o tempo da Parnaioca.
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Essa história faz parte do projeto Memórias Implodidas, desenvolvido no Mestrado Profissional em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ. Tem como base e inspiração os livros “Quatro histórias, duas colônias, uma Ilha”, da historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, e “Histórias Vividas na Ilha Grande pelos Antigos da Ilha”, coordenado por Marcio Ranauro. O texto é de Bruna Ventura, sob a orientação de Fernando Salis e com o apoio de Gelsom Rozentino. A narração é de Lucia Tupiassu. As prisões que funcionaram na Ilha Grande também fazem parte das suas memórias? Quer dividir seu relato com a gente? Você pode enviar seu áudio aqui no site e contribuir para a preservação dessa história.

Fragmento 2: João - Parnaioca
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Fragmento 3: Dalva – Enseada das Estrelas

Quando a menina de seis anos de idade viu o mar pela primeira vez, ela se perguntou qual sabor teria a imensidão daquelas águas. Num impulso, ela provou e sentiu o gosto salgado na boca. Foi também a primeira vez que viu um barco. E isso é tudo o que ela consegue se lembrar daquele dia, seu primeiro encontro com a Ilha Grande. A história de Dalva com a Ilha começa quando seu pai se muda de Minas Gerais para a Enseada das Estrelas com toda a família, para trabalhar como carvoeiro. Eram 12 irmãos morando no alto do morro, perto da Cachoeira da Maromba, inventando todo tipo de brincadeira pela floresta. O que era real e o que era encanto se misturam nas memórias infantis: aparições do saci e outros espíritos das matas, estrelas-do-mar avistadas entre as ondas transparentes sob o sol, noites de sereno e de constelações. Os anos se passaram e, Dalva, já crescida, foi morar em Angra, na casa de uma madrinha, para estudar. Queria ver outras pessoas e outras paisagens, mas quando estava em Angra sentia falta da Ilha. E quando estava na Ilha, sentia falta de Angra. Sempre incompleta. Preenchida pela ausência que acompanha os forasteiros. Resolveu voltar para Minas. Tentaria pertencer ao seu lugar de origem. Ficou noiva, mas não deu certo, terminou tudo e foi morar no Rio de Janeiro. Um novo lugar, um novo fim, um novo começo. Foi então que Dalva decidiu que não se casaria com ninguém. Queria ser mãe sozinha. O desejo da menina que brincava pelas matas deve ter ecoado na floresta com muita força. Talvez tenha sido ouvido pelos Ibejis, os gêmeos que protegem as crianças, divindades da vida, da alegria e da festa. Um virou três. Dalva ganhou dois bebês. Nesse tempo, as invasões dos presos fugitivos às casas assustavam os moradores da Ilha. Dalva estava no Rio, mas conseguiu um bom emprego na Enseada das Estrelas e acabou voltando. Dessa vez, para ficar. Uma só ou depois de virar três, a menina da Enseada andou por onde quis. Nunca deixou de ouvir a floresta e seus Ibejis. Porque a floresta morava em seu peito e brotava flor e raiz por onde pisassem seus pés.
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Essa história faz parte do projeto Memórias Implodidas, desenvolvido no Mestrado Profissional em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ. Tem como base e inspiração os livros “Quatro histórias, duas colônias, uma Ilha”, da historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, e “Histórias Vividas na Ilha Grande pelos Antigos da Ilha”, coordenado por Marcio Ranauro. O texto é de Bruna Ventura, sob a orientação de Fernando Salis e com o apoio de Gelsom Rozentino. A narração é de Manuella Tavares. As prisões que funcionaram na Ilha Grande também fazem parte das suas memórias? Quer dividir seu relato com a gente? Você pode enviar seu áudio aqui no site e contribuir para a preservação dessa história.

Fragmento 3: Dalva - Enseada das Estrelas

Mapa da Ilha Grande, Angra dos Reis/RJ. Clique nos ícones de áudio para escutar as memórias localizadas próximo às praias e trilhas.

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