









Eliana

Gabeira

Quezia

Jesiel

Kiko

Seu Julio

Joao

Dalva
Fragmentos







Quezia

Jesiel

Gabeira

Kiko

Eliana
Fragmento 1: Seu Julio - Dois Rios
“Violenta emoção quando fiquei em liberdade. Perdi a voz. Comprei remédio para rouquidão.
Qual é o remédio para pessoa emocionada? Sou muito emocional, é um perigo, não enxergo
nada. Tudo é o momento”.
Esse é um trecho editado de uma das entrevistas que Júlio Almeida concedeu à historiadora
Myrian Sepúlveda dos Santos, em seu livro sobre as memórias das prisões da Ilha Grande.
Seu Júlio chega à Ilha como prisioneiro em 1958, aos 27 anos, e sua dívida com a justiça só
chega ao fim em 2014, mais de 50 anos depois. Diversos jornais noticiaram a história de Seu
Júlio como a do “o último preso da Ilha Grande”. As reportagens acabam embaralhando um
pouco as datas, os motivos da sentença, as tentativas de fuga e outras informações, não muito
precisas, sobre a biografia de Seu Júlio. Mas o que é semelhante em todas as matérias é que
elas retratam um pacato senhor de pele negra e barba branca que, mesmo após finalmente
conseguir a tão sonhada liberdade, preferiu continuar morando com sua família em um lugar
que ficou conhecido como Caldeirão do Diabo. E aparenta ser feliz assim.
Ele foi mesmo um dos poucos presos que esteve nas duas colônias agrícolas da Ilha Grande,
em Abraão e em Dois Rios, deixou seu testemunho sobre as duas e, depois de liberto, fixou
residência por lá. Sua história, sem sombra de dúvida, é extraordinária. Complexa demais para
ser captada pelas reportagens dos jornais.
O pacato senhor que, aos 84 anos, encontrou a paz no Caldeirão do Inferno consertando redes
de pesca e fazendo miniaturas de barcos de madeira foi, antes de tudo, um sobrevivente.
Sobreviveu à miséria compartilhada com 16 irmãos, trabalhando desde criança em Minas
Gerais, e depois, vivendo nas ruas do Rio de Janeiro. Sobreviveu às prisões, ao trabalho
pesado, aos castigos, ao frio, à fome, às doenças e espancamentos. Sobreviveu às fugas por
trilhas desconhecidas pelo mato, sem mapas, se guiando pelo movimento das marés.
E, mais do que resistir, Seu Júlio se adaptou e se apropriou dos códigos e regras de um sistema
social que só existe dentro dos muros. Usou sua força, sua valentia e sua longa sentença para
se tornar um mediador entre o mundo de fora e o mundo de dentro das prisões. Ele hackeou o
sistema e conseguiu ser temido e respeitado dentro e fora da cadeia, ganhando o apoio dos
guardas e diretores em troca da manutenção da ordem entre os detentos. Conseguiu acessos
que ninguém mais tinha e cargos de confiança, poder de negociação, informação e decisão.
A palavra e o respeito eram os valores que ele mais prezava. A palavra para ter credibilidade e
o respeito para também ser respeitado. Um conceito de respeito que talvez não possa ser
compreendido por nós, que estamos de fora do mundo prisional.
Seu Júlio sobreviveu e decodificou um sistema baseado na violência e composto por dilemas,
contradições e perplexidades. Decodificou a barbárie. Com sua voz firme e pacata, afirmou:
“Sei e não sei de nada”. Hoje ele é considerado pela comunidade de Dois Rios um patrimônio.
Nos seus relatos, ele disse: “Aqui sempre foi minha casa”. Mas quem poderia ter sido Seu Júlio
se sua valentia, força e inteligência não tivessem sido cooptadas por esse sistema e, antes de
tudo, pela miséria? Se sua história não fosse uma história extraordinária de sobrevivência, e
sim uma vida ordinária e digna, quão gigante poderia ter sido a liberdade de Seu Júlio?
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Essa história faz parte do projeto Memórias Implodidas, desenvolvido no Mestrado
Profissional em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ.
Tem como base e inspiração os livros “Quatro histórias, duas colônias, uma Ilha”, da
historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, e “Histórias
Vividas na Ilha Grande pelos
Antigos da
Ilha”, coordenado por Marcio Ranauro.
O texto é de Bruna Ventura, sob a orientação de Fernando Salis e com o apoio de Gelsom
Rozentino. A narração é de Leandro Paz.
As prisões que funcionaram na Ilha Grande também fazem parte das suas memórias? Quer
dividir seu relato com a gente? Você pode enviar seu áudio aqui no site e contribuir para a
preservação dessa história.
Fragmento 2: João - Parnaioca
Um tempo em suspenso. Não é o tempo das mensagens instantâneas, dos áudios acelerados
na velocidade 1.5, das reuniões que invadem as salas através das telas dos notebooks. É o
tempo da Parnaioca, praia que abriga poucas construções, mas, num outro tempo, abrigou um
vilarejo com casas, escola, missas e festas. Onde se comia peixe, galinha, pato e porco. Colhia-
se milho, café, cana-de-açúcar. Bebia-se vinho entre o mar e o rio.
Onde, em 1935, nasceu João. Menino tímido e observador, aos dez anos de idade conheceu
Zaira, menina que morava em uma praia vizinha, também com dez anos. Nesse momento,
João já sabia que um dia eles se casariam. Aos dezoito, começou a trabalhar no presídio em
Dois Rios. Eram 24 horas de serviço, 48 horas de folga. Inúmeras cartas trocadas com Zaira,
inúmeros quilômetros percorridos a pé, por longas trilhas entre praias. Sempre as mesmas,
mas nunca iguais.
O tempo virou. As fazendas, a lavoura e a pesca, antes tão farta, perderam espaço para os
maquinários que chegaram à Ilha, com a promessa de progresso. O serviço no presídio era o
que dava ritmo à vida.
E assim, a vida foi construída.
João e Zaira se casaram, tiveram uma filha e permaneceram nas terras onde seus pais, avós e
bisavós viveram e morreram. Onde, antes deles, índios habitaram, escravos foram traficados.
Hoje é possível avistar, na enseada, ruínas de casarões, de um cemitério e de uma igrejinha, a
Capela do Sagrado Coração de Jesus. Uma gigantesca pedra com um buraco na base,
conhecida como Toca das Cinzas, testemunhou todas essas histórias no passado, e resiste, no
presente.
Tal qual a rocha, a memória de João também resiste. Em um tempo suspenso, o tempo da
Parnaioca.
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Essa história faz parte do projeto Memórias Implodidas, desenvolvido no Mestrado
Profissional em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ.
Tem como base e inspiração os livros “Quatro histórias, duas colônias, uma Ilha”, da
historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, e “Histórias
Vividas na Ilha Grande pelos
Antigos da
Ilha”, coordenado por Marcio Ranauro.
O texto é de Bruna Ventura, sob a orientação de Fernando Salis e com o apoio de Gelsom
Rozentino. A narração é de Lucia Tupiassu.
As prisões que funcionaram na Ilha Grande também fazem parte das suas memórias? Quer
dividir seu relato com a gente? Você pode enviar seu áudio aqui no site e contribuir para a
preservação dessa história.
Fragmento 3: Dalva – Enseada das Estrelas
Quando a menina de seis anos de idade viu o mar pela primeira vez, ela se perguntou qual
sabor teria a imensidão daquelas águas. Num impulso, ela provou e sentiu o gosto salgado na
boca. Foi também a primeira vez que viu um barco. E isso é tudo o que ela consegue se
lembrar daquele dia, seu primeiro encontro com a Ilha Grande.
A história de Dalva com a Ilha começa quando seu pai se muda de Minas Gerais para a Enseada
das Estrelas com toda a família, para trabalhar como carvoeiro. Eram 12 irmãos morando no
alto do morro, perto da Cachoeira da Maromba, inventando todo tipo de brincadeira pela
floresta. O que era real e o que era encanto se misturam nas memórias infantis: aparições do
saci e outros espíritos das matas, estrelas-do-mar avistadas entre as ondas transparentes sob o
sol, noites de sereno e de constelações.
Os anos se passaram e, Dalva, já crescida, foi morar em Angra, na casa de uma madrinha, para
estudar. Queria ver outras pessoas e outras paisagens, mas quando estava em Angra sentia
falta da Ilha. E quando estava na Ilha, sentia falta de Angra. Sempre incompleta. Preenchida
pela ausência que acompanha os forasteiros.
Resolveu voltar para Minas. Tentaria pertencer ao seu lugar de origem. Ficou noiva, mas não
deu certo, terminou tudo e foi morar no Rio de Janeiro. Um novo lugar, um novo fim, um novo
começo. Foi então que Dalva decidiu que não se casaria com ninguém. Queria ser mãe sozinha.
O desejo da menina que brincava pelas matas deve ter ecoado na floresta com muita força.
Talvez tenha sido ouvido pelos Ibejis, os gêmeos que protegem as crianças, divindades da vida,
da alegria e da festa. Um virou três. Dalva ganhou dois bebês.
Nesse tempo, as invasões dos presos fugitivos às casas assustavam os moradores da Ilha. Dalva
estava no Rio, mas conseguiu um bom emprego na Enseada das Estrelas e acabou voltando.
Dessa vez, para ficar.
Uma só ou depois de virar três, a menina da Enseada andou por onde quis. Nunca deixou de
ouvir a floresta e seus Ibejis. Porque a floresta morava em seu peito e brotava flor e raiz por
onde pisassem seus pés.
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Essa história faz parte do projeto Memórias Implodidas, desenvolvido no Mestrado
Profissional em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ.
Tem como base e inspiração os livros “Quatro histórias, duas colônias, uma Ilha”, da
historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, e “Histórias
Vividas na Ilha Grande pelos
Antigos da
Ilha”, coordenado por Marcio Ranauro.
O texto é de Bruna Ventura, sob a orientação de Fernando Salis e com o apoio de Gelsom
Rozentino. A narração é de Manuella Tavares.
As prisões que funcionaram na Ilha Grande também fazem parte das suas memórias? Quer
dividir seu relato com a gente? Você pode enviar seu áudio aqui no site e contribuir para a
preservação dessa história.
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